O erro do banco

O banco cometeu um erro grosseiro ao acusar o executado de um processo executivo de ter actuado com “dolo” e “má-fé” e de lhe ter causado “um grave prejuízo“, sem apresentar fundamentação, prova ou testemunho.
Trata-se do conteúdo de um Requerimento Para Outras Questões, emitido pela mandatária do banco no âmbito do processo então em curso.

O banco recorreu a uma técnica inusitada para obter um efeito jurídico favorável, utilizando declarações sem fundamentação e praticando a difamação gratuita, que conduziram a uma bizarra invasão da privacidade do cidadão e a uma afronta à sua honra e dignidade.

Provavelmente devido à tipologia processual do processo executivo em si, a justiça simplex, o Tribunal emitiu conclusão favorável à pretensão sustentada por acusação sem prova e difamação, aparentemente sem verificar a sua veracidade. Pois que se tivesse verificado, certamente concluiria pela sua falsidade, que era tão óbvia quanto oportuna.

Já lá vão quatro anos desde a ocorrência, da qual só tomei conhecimento quando consultei o processo físico pela primeira vez, dado que o Requerimento Para Outras Questões fora apenas comunicado entre mandatários.
A apresentação de queixa-crime contra a violação dos artigos 180, 181, 182 do C.P.P. por parte do banco, terminou numa “vicissitude de inviabilidade de acção” declarada pelo patrono nomeado para apoio judiciário e sustentada pela Ordem dos Advogados, cujo conteúdo é “sigiloso”.

O processo foi dado por extinto em Novembro de 2017, onze anos depois de ter dado entrada em Tribunal, pela Agente de Execução ALEXANDRA GOMES, REBOUTA & ASSOCIADOS, SOCIEDADE DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO, SP, RL, apesar de conter erros, lapsos e ilegalidades, desde a Capa do Processo à Conta Final do Agente de Execução.

A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução [criada em 2015 – proposta de lei  n.º 308/XII/4.ª] diz que está tudo de acordo com as suas regras deontológicas, que ainda não se sabe bem quais são, dado que esta Ordem resultou da antiga Câmara dos Solicitadores, que se sustenta a si própria em reformas continuadas, impostas pelas crises políticas e financeiras. São diversos os casos de fraude e corrupção dos seus “agentes” e quadros associativos [Quem não tem noção destas informações pode consultar este artigo, como mero exemplo. A partir de 2006 foi um “forrobodó” que só a Troika fez parar. Era o que estava a dar. Certamente seria um bom desafio para uma pesquisa jornalística aprofundada, ou um solicitador papers].

O primeiro erro do banco foi ter escolhido uma Solicitadora recém formada e sem experiência para tratar de um caso que à partida parecia fácil de resolver:  – os executados “já não residiam” no apartamento hipotecado e estariam a utilizá-lo de forma fraudulenta. Prova-o as moradas erradas dos documentos iniciais, que ainda constam do processo.

Quando perceberam que o executado não era um criminoso nem um especialista em negócios imobiliários, e logo que pediu apoio judiciário, o processo foi posto na prateleira. A recém formada solicitadora precisava de realizar capital… na realidade, só passados oito anos conseguiu “sacar” algum, quando, a pedido do exequente, penhorou um acerto de IRS, emitido pela AT.
Como resultado da inoperância da solicitadora, que aceitou o cargo público e suas inerentes responsabilidades, a venda do imóvel foi arrastada até à altura em que atingiu a maior desvalorização artificial provocada pela crise financeira imobiliária. Com o conluio do agente de venda, que investiu 63 euros e sacou comodamente a sua fatia do bolo no banquete da “negociação particular”, com um lucro de 1000%. Depois utilizou um decreto Lei errado, que a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução validou.

A inesperada urgência da entrega das chaves, após a realização da escritura no final de Dezembro de 2013, poderia sugerir que talvez estivesse já a decorrer uma outra “negociação particular”. Considerando que os intervenientes no processo desvalorizaram o imóvel até ao seu limite, era uma pechincha, a coberto do climax da crise. Só assim se poderia compreender que perante tal urgência o próprio banco não hesitara em utilizar a técnica inusitada das falsas declarações e difamação.
Apesar do desprezo demostrado perante a situação que o executado teve que enfrentar, algo deve ter corrido mal, pois mesmo sabendo que o imóvel tinha sido desocupado há dois meses, o foram arrombar. Acto que sintetizou a violação da privacidade do cidadão como resultado de falsas declarações, que não foram sequer verificadas pelos cargos públicos envolvidos no processo.
Em Abril de 2015 o duplex estava à venda no bpiexpressimobiliário do banco BPI, com um ganho de 27.500 € sobre o valor da aquisição. Uma negociata exemplar, já que o exequente também poupara 50.000 € na compra, para “evitar que os executados tivessem mais prejuízo”.

O segundo erro do banco, o mais grosseiro, foi ter menosprezado o facto de a sua mandatária ter mentido em Tribunal.
Perante a denúncia factual com que confrontei o Ex.º Sr Dr Fernando Ulrich, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração do banco BPI, acerca das falsas declarações da causídica e da difamação do bom nome dos executados, o banco persiste na ideia de que tudo terá decorrido dentro da “regularidade e transparência processual”, sendo que para o efeito mais nada tem a acrescentar.
Parece, no entanto, que não é bem assim.
Talvez o banco deva reconhecer que errou e que, no mínimo, deve um pedido de desculpas aos ofendidos, corrigindo a sua conduta, apurando e assumindo as devidas responsabilidades sobre a autoria do requerimento indecoroso, do seu efeito e consequências.


Talvez o banco não tenha sequer noção de que não pode acusar quem quer que seja a seu belo prazer, a fim de obter “efeitos pretendidos”.

Parece grotesco que o faça sem sequer apresentar fundamentos, e que a sua pretensão seja validada pelo Estado de Direito.

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Faro, 6 de Dezembro de 2018
Álvaro de Mendonça